Falecimento do José Mendo

03/10/19

No último dia 23 de setembro de 2019 faleceu em Belo Horizonte o Engenheiro de Minas e Metalurgia José Mendo Mizael de Souza. Mendo deixa sua esposa, Ana Regina, e quatro filhos. Uma mensagem escrita pelo colega Marcelo Tunes é apresentada a seguir:

23 de setembro de 2019, uma segunda feira. Ao receber a infausta notícia, minha primeira reação foi: a primavera chegou e o Mendo nos deixou.

Ao longo de todo aquele dia, as inúmeras mensagens a Ana Regina, Marcelo, André, Alexandre e Ana Claudia, aos netos e bisneta, transmitidas abertamente para que delas compartilhassem todos, mostraram-me conteúdos que eram muito mais do que pesarosos registros da viagem derradeira por ele iniciada.
Formam elas um mosaico não só de sentimentos, mas também de fatos e episódios onde se vislumbra um legado construído ao longo de pouco mais de oitenta anos e que, como uma homenagem especial ao meu colega de jardim de infância, tento aqui resumir.

Certamente, a mais permanente e notória imagem que se tem do Mendo é com a mineração, principalmente a brasileira. Nas últimas cinco décadas, o que foi importante nas atividades dessa indústria, base indispensável de tantas outras, contou com a contribuição efetiva dele, como profissional da engenharia de minas, possuidor de uma rara visão holística no trato do que já se declarou ser um campo onde a economia, o direito e a técnica disputam a proeminência. Sempre com exposição e argumentação bem embasadas, raciocínio claro e incontestável que, dosado pela inata prudência mineira, não era contundente ao lado oposto, Mendo deixou sua marca nos mais diversos foruns , eventos e documentos onde se debatia — e por vezes se decidia — o passo seguinte a ser dado na busca do aperfeiçoamento da complexa estrutura técnico-legal-administrativa-econômica que rege e suporta a mineração brasileira. Em particular, tinha ele um gosto ou atração especial se o assunto envolvesse legislação, não importava se desde a Lei Magna de 1988 e suas Emendas, passando pelos Códigos, de Mineração, Florestal e outros, até chegar aos detalhamentos de Portarias e Instruções Normativas. Daí a categoria que ele próprio se atribuía, o Engenheiro-Constitucionalista.

Nesse contexto Mendo/Mineração, o grande marco, assim entendo, foi a criação do Instituto Brasileiro de Mineração – IBRAM. Participei com ele de um primeiro encontro, onde também estavam Átila Godoy e Juvenil Felix. Ali examinamos as ideias iniciais de concepção e criação da nova entidade, que se deu, graças ao dinamismo do Mendo, em 10 de dezembro de 1976. Durante quase três décadas ele esteve à frente da nova instituição, período no qual ela se consolidou, conquistou prestígio e credibilidade, que a levaram à liderança que tem no setor mineral. Sobre isto poder-se-ia discorrer horas e horas ou escrever páginas e páginas, mas um fato merece destaque e reconhecimento: durante algum tempo, nos anos 1980/90, houve uma conjuntura desfavorável ao setor mineral, com mercados, investimentos e consumo estagnados. No Brasil e no caso específico do IBRAM, à tal conjuntura somaram-se os obstáculos criados na redação original da Constituição de 1988 à participação do capital externo na mineração e o sequestro de ativos financeiros do Plano Collor, formando uma perversa combinação que quase acabou com o instituto. Isto só não aconteceu graças à competência, a dedicação, a garra mesmo com que o Mendo administrou aqueles tempos de vacas magras. Tornou-se ele, assim, o criador e o salvador do IBRAM.

Mas não podem ser esquecidas outras facetas do polivalente José Mendo Mizael de Souza. Tivesse ele escolhido os caminhos da Academia, teria sido daqueles mestres cujos alunos, além das matérias específicas previstas no currículo escolar, aprenderiam também muito sobre os valores em que ele tanto acreditava e defendia, como democracia, livre iniciativa, respeito aos que dele divergiam. Tivesse ele optado pelos corredores do Itamaraty, teria sido daqueles de carreira brilhante, pois era um diplomata nato, que preferia o diálogo e não o confronto, que não tinha complexo por ser brasileiro, mas antes justificado orgulho por o ser.
Essas características e mais a perene simpatia e trato lhano com todos deixavam ver o seu lado mais de pessoa, de ser humano. Em tal contexto, tinha uma coleção inesgotável de piadas, valorizadas pela maneia que só ele sabia contar, mas tão eficiente a ponto de tirar gargalhadas do sisudo Presidente Geisel. Em contraste, num ambiente de sérios debates políticos onde representava o capitalismo, foi chamado pelo LULA de “companheiro Mendo”.

Uma outra faceta não pode ser esquecida. Chefe de família exemplar, preocupava-o muito os efeitos que as profundas mudanças nos parâmetros e valores de comportamento social, observadas no mundo todo como uma das heranças tardias da 2ª Guerra Mundial, poderiam ter no tradicional arcabouço das famílias. Dai seu entusiasmado engajamento, sempre com Ana Regina a seu lado, no programa chamado “Escola de Pais”.

Por fim, ressaltar que à alegria e ao entusiasmo que transmitia em tudo o que se propunha fazer somava-se um inabalável otimismo, que ele atribuía ao fato de ser fiel torcedor do América Mineiro.

Deixa-nos ele, pois, não só a tristeza por ter partido, mas todo um legado de um grande profissional, de um pai cultor e defensor dos valores básicos da família, de um cidadão que, reconhecendo as limitações de sua terra natal, sempre manteve o orgulho de a ter como Pátria, aliado a uma inabalável crença no estado democrático de direito. Legado este que, tendo como bússola a busca da convivência e do diálogo entre os que divergem, é para todos nós — e como homenagem a ele — o Norte a ser seguido.

Marcelo Ribeiro Tunes, consultor do Ibram



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